Quanto
à palavra igualdade, a constituição não contém tal previsão.
Igualar a todos, de maneira simplória, seria desconsiderar as
diferenças. Os preceitos constitucionais preveem, sim, a isonomia:
tratar os desiguais de maneira adequada às suas necessidades para
viabilizar as relações. A obrigação do Estado é criar condições
para adequar as instituições à melhor participação possível de
todas as categorias socioeconômicas, sem distinções de qualquer
tipo. Mas antes disso, devem ser atendidos os objetivos a que se
dispõe a instituição pública. No caso em questão trata-se de
formar profissionais úteis à sociedade e com o menor emprego
possível de recursos do Estado.
Em
relação a concursos públicos, por exemplo, surgem distorções
como os casos em que se quer que um deficiente físico possa ser
contratado como policial militar, sargento do exército ou delegado
de polícia. É impensável que o Estado tenha que fazer o esforço,
com o dinheiro do cidadão, de criar circunstâncias especiais para o
aproveitamento de pessoas com problemas de acessibilidade nestas
funções. As tarefas precípuas, nesses casos, envolvem
deslocamentos rápidos e desprovidos de condições mínimas de
segurança e mobilidade, além do alto risco envolvido.
Extrapolando
o problema da isonomia para o caso das cotas, vislumbram-se as duas
situações que são detalhadas em seguida: o da criação de
separações entre os diversos tipos de profissionais formados de uma
e outra forma e o da dificuldade em forjar bons profissionais, com
iguais condições. Sobretudo pelo tanto que se distanciam em termos
de formação e mesmo de méritos para terem acesso ao ensino
superior.
Quanto
aos guetos, só piora: mesmo o pobre, o negro, o pardo ou o oriundo
de escola pública que tiver condições de igualdade para competir
vai ser tratado como se sua chegada à vaga da faculdade e até a sua
aprovação final tivessem sido sem mérito. Sempre se poderá
invocar, como acontece nos concursos públicos, que tal pessoa só
conseguiu certo diploma por ter sido “protegido” pelo sistema de
cotas. Em alguns casos pode ficar estigmatizado que o trabalho
desenvolvido por tal pessoa não tivesse o mesmo valor que o feito
pelos outros candidatos.
Uma
das formas previsíveis de se agravar a situação poderá ser a
criação de “turmas de nivelamento” visando levar o aluno da
escola pública ao nível daquele oriundo de escola privada. A
desigualdade ainda há de ser maior ainda devido ao nível maior
exigido do aluno da rede de ensino paga que contará com menos vagas
para serem disputadas. Outro quadro passível de ser visualizado é o
da heterogeneidade das salas de aula em que alunos prontos a
receberem a matéria pura e nova de seus cursos profissionais terão
de se submeter a um custoso nivelamento em português, matemática e
outras matérias básicas. Tudo custeado com o dinheiro do estado que
assim deixa de atender ao princípio da eficiência citado no artigo
37 da Constituição Federal.
Há ainda o problema da falta de qualidade inerente à massa de
candidatos. Não foi plenamente divulgado e não está pacificada a
existência de quantidade suficiente de alunos educados na Escola
Pública e que seja capaz de preencher toda a nova demanda de alunos
qualificados para obtenção de um grau universitário.
Neste
caso pode ocorrer de, havendo necessidade de se cumprir as ofertas de
vagas, e fazer valer a lei, os valores mínimos ou “notas de corte”
para aprovação poderão ser gradualmente reduzidos. Como
consequência, mais e mais se arrisca a que o nível dos candidatos
aprovados não permita a sua correta preparação com o tempo e
recursos logísticos e humanos disponibilizados pela administração.
Novamente a comparação é feita com os candidatos que passam em
concursos como deficientes, desde a criação de cotas para essas
contratações no serviço público onde ocorre o mesmo.
Pior
que a discriminação oriunda do preconceito será a constatação de
que realmente não se consegue atingir, com o público contemplado
pela lei, a massa crítica necessária para se igualarem aos outros
profissionalmente. Claro que é previsível que haja raras e honrosas
exceções, o que apenas vem a dar embasamento estatístico aos fatos
apontados.
Os
concursos públicos estão aí para darem um exemplo tímido do que
pode acontecer com a criação de cotas para acesso à universidade.
Na busca de igualdade esquece-se da isonomia e do bom ajuste das
instituições às reais necessidades do público. Na busca de
inclusão, cria-se exclusão ao criar novos limites entre os que
alçaram o ensino superior por méritos, até enaltecidos pela maior
dificuldade que terão para o acesso, e aqueles que a ele ascenderam
por se encaixarem nos pressupostos definidos pelas cotas. Pelo menos
em alguns casos, haverá de constatar que os profissionais assim
formados, pelo menos em parte dos casos, nunca poderão ser
comparados em qualidade, mesmo depois de formados, àqueles que, já
nos primórdios de sua formação profissional se destacavam pelo
esforço depreendido para pleitear uma dificílima vaga no Ensino
Público que “deveria” ser de amplo acesso.
O
correto, ou pelo menos, o mais moralmente correto é que se fossem
buscando condições de que o nível de dificuldade para quaisquer
alunos fosse o mesmo. Com ou sem as cotas, a dificuldade sempre
existiu e existirá para todos. E, com certeza, o sistema de méritos
sairá triunfante de todo esse embate sejam eles de que tipos forem.