quinta-feira, 26 de julho de 2012

Pequeno manual de maldades – viagens em equipes de trabalho.

Completados 16 anos de serviço no mesmo emprego, no último domingo. Nesse tempo, o cálculo é de que foram, no mínimo 160 deslocamentos ao interior do país, incluindo os estados de Minas Gerais, São Paulo, Piauí, Bahia, Rio Grande do Norte, Mato Grosso, Distrito Federal, Goiás, Paraná e Santa Catarina.
Vários foram os tipos de companheiros de viagem. De toda essa experiência, é possível criar um esboço de feedback geral sobre aqueles atos que mais podem criar problemas de relacionamento entre colegas. Alguns podem parecer menores e até perdoáveis. Mas ninguém comete um erro ou outro somente. Geralmente, muitos, muitos mesmo, ganham o prêmio pelo conjunto da obra e não apenas por ou outro ato mais desagradável.
Apesar de baseada em experiências no serviço público, a lista abaixo procura tratar situações que podem ser extrapoladas para outros casos semelhantes na iniciativa privada. Exemplo são as ações de um supervisor vindo de um outro estado ou da capital. Ou de um auditor interno ou mesmo de uma visita indigesta como as do tipo que podem ser feitas pela Polícia ou órgãos judiciais.
A lista abaixo não consegue cobrir sequer uma parte do que a imaginação do chato pode criar para testar a paciência do companheiro de viagem. Mas espelha bastante do que se tem visto por aí...
  Poderia se pensar numa classificação por ser o problema ligado ao humor ou à incapacidade de lidar com o horário ou pura falta de empatia. Acontece que grande partes dos casos é uma combinação de todos esses componentes.
Excesso de exação – O trabalho tem que ser feito na exata medida do que foi solicitado. É claro que existe uma diferença de postura até mesmo em um só indivíduo quando exposto a situações semelhantes. Mas não é possível aceitar gratuitamente que se tente impor autoridade além daquela que já é dada pelas circunstâncias, cobrando coisas para as quais não se esteja devidamente autorizado.
Criação de procedimentos injustificados –Todo trabalho tem um escopo pré-definido. Ao se atribuir uma missão a um empregado, ou a um servidor público, as chefias já efetuaram um planejamento do que deve ser feito naquele trabalho. Deste modo não é aceitável que se vá estendendo indefinidamente as teias do trabalho efetuado a áreas que não estejam diretamente relacionadas ao objetivo pretendido.
Atraso por motivos supérfluos – Esse é o bom e velho atraso, mesmo. Por mais que seja justificado, tem que ser do conhecimento do colega. Estando ambos hospedados num hotel, por exemplo, não cabe dar no colega um “chá de cadeira” sem a mínima explicação e sem se preocupar de que o tempo vá ficando curto para que possam ser cumpridas todas as etapas previstas.
Enrolar para sair depois do horário que seria o do trabalho normal - Geralmente, o trabalho é planejado para que seja executado dentro do período normal em que seria executado no ambiente normal de serviço. Não é por estar em viagem e pelo indivíduo, excepcionalmente, ser o encarregado pelo grupo que novas normas possam ser inventadas pelo responsável pelo grupo. Claro que cabem as honrosas exceções em que não se poderia agir de outra forma como grandes deslocamentos, vôos noturnos ou visitas que invadem a noite.
Abuso de autoridade – Mesmo na iniciativa privada pode se visualizar a situação. O chefe, ou a patroa se acha no direito de xingar o empregado, desmerecer seus feitos e falar dele em público. Nas visitas a trabalho não cabe ao  indivíduo investido de qualquer autoridade querer “passar um pito” nos trabalhadores visitados. No serviço público isso fica mais patente pois deve se atender ao princípio da impessoalidade no sentido que não se está autorizado a tomar postura de julgador, de senhor da verdade perante as pessoas que estão sendo visitadas.
Adiantar o horário combinado – Todos possuem um planejamento próprio baseado nos combinados do grupo. Caso se tenha combinado que todos sairiam às 08 horas, a abordagem antecipada a qualquer integrante da equipe é abuso de autoridade, é mudar as regras do jogo unilateralmente.
Querer sair muito cedo – Por incrível que possa parecer a algumas pessoas, motoristas dormem, são pessoas e a maioria, a grande maioria, mora longe. E alguns podem ter fases de insônia, como qualquer pessoa normal. Mesmo no caso de quem não vai dirigir pode se imaginar que a pessoa queira tomar café no horário do hotel, sem ter que improvisar no quarto, por exemplo. Quando se propõe um horário para sair, principalmente no caso de grandes deslocamentos, toda a logística deve ser pensada, inclusive nestes aspectos.
Delonga dos trabalhos – infelizmente, muitos profissionais não sabem a hora de parar. Desconhecem o momento a partir do qual o trabalho já está feito. Deve-se ter em mente o produto final: produzir um relatório? Fazer uma apresentação para um grupo? Já há subsídios para que se possa obter tais resultados? Então dê descanso às pessoas, inclusive a si mesmo.  Confira quantas vezes quiser se tudo foi feito, mas tente ter um pouco de empatia e perceber que já acabou e é hora de ir embora.
Reclamações constantes -  Tudo foi devidamente combinado: Tal carro será usado, serão tantos dias de viagem, a hospedagem custará tanto, aquela cidade não possui instalações muito confortáveis. De nada adiantam as previsões: É chegar a campo e começa a reclamação: Que trabalho pesado! Que hotel caro! Quantas visitas! Comida ruim! O ouvido do colega não é lixo para você ficar jogando sujeira verbal. Não. Atenha-se ao que foi combinado e obtenha o melhor possível dos recursos disponíveis. Caso necessário, faça uma reavaliação dos trabalhos e submeta-a aos supervisores. Sobretudo não fique com lenga-lenga enchendo o ouvido do colega.
Falta de estudo não compensada pela experiência no trabalho – satisfeito ou não com as condições do trabalho, com problemas em casa ou não, cansado ou descansado; a obrigação de quem se diz profissional é estar preparado para realizar a contento o trabalho que deve ser feito. Claro que muitos profissionais já estão calejados de ver pedidos repetitivos saindo das mesmas fontes. Mais cuidado deverão ter então para recolherem o material que lhes permitirá executar a contento a tarefa programada. No caso de novatos, ou pessoas com dificuldades na execução de trabalhos novos é importante fazer o dever de casa. Não é o caso de se ater especificamente à norma escrita, ao que já foi formalmente tratado e sistematizado. Mas é o caso de se atentar à postura de chefes e colegas sobre o que lhe está sendo solicitado e estudar os trabalhos prontos, ser for o caso, para aprender o que está sendo cobrado.
Abusar dos recursos da instituição visitada – Muitas e muitas profissões não são visadas por interessados em praticar corrupção. Nestes casos, entretanto, pode acontecer de o profissional ser tão anti-ético quanto se fosse corrupto ao aceitar benesses indevidas das instituições que são o objeto do seu trabalho. No serviço público existem códigos de ética que explicitam valores e condições para quem uma ou outra cortesia possa ser aceita. Um café, água, ou mesmo um lanche que também esteja disponível aos empregados da instituição nunca deveria ser motivo para uma indisposição entre a equipe e a instituição visitada. Mas caso se constate que estão sendo feitos gastos excessivos como festas, pagas hospedagem ou outras situações semelhantes, realmente já se configura o abuso. Claro que a cultura organizacional deve definir com maior exatidão o que se configura como certo. Em todos os casos deve-se ter cuidado para que a boa autoridade, o poder de intervenção e de juízo não seja prejudicado pelo benefício recebido.
Querer escolher tudo para o outro: restaurante, hotel, horário de sair – Muitas pessoas, em mesmo nível hierárquico, julgam-se no direito de escolher para o outro. A arte mais difícil nesse caso é saber conceder ao outro o direito de optar pelo que melhor lhe aprouver. Haverá pessoas que queiram ficar em lugares mais simples, comer gastando menos e em locais mais modestos durante as visitas. Outros irão querer otimizar o custo-benefício do gasto efetuado ou dos recursos. Cada um tem o direito de fazer como quiser. Pode-se “pagar para trabalhar” quando se paga mais para estar em um outro município do que o valor recebido como indenização. Pode-se também, como em muitos casos, procurar os locais mais mal frequentados das cidades para se hospedar com pouco dinheiro e é claro, assumindo todos os riscos pela vizinhança perigosa. O importante é não criar problemas devido às diferenças de gosto.
Querer sair tarde da entidade – Trata-se de um tipo muito comum de abuso de autoridade. Que gosto não têm certas pessoas de fazer o mundo circular à sua volta? Deixar funcionários,  mães, pais, professores que trabalham à noite sem cumprir seus compromissos por que o “pequeno deus” está lhes fazendo uma visita. Bem justificado, tal fato nem merece maior consideração e é comum de acontecer. Mas é muito desagradável e até perigoso para o bom relacionamento entre entidades diferentes que os empregados de uma se julguem no direito de interferir, também, no horários e outras regras internas de funcionamento.
Mudança de humor – Caso não goste de piadas de um tipo ou de outro, ou de nenhuma, deixe isso claro para os companheiros. Não comece uma viagem ou mesmo um trabalho de forma descontraída e informal e queira mudar no meio para uma atitude mais reflexiva e mal humorada. As pessoas não são culpadas de possíveis problemas que possam te estar atormentando. Sobretudo, se você necessitar de informações e outros tipos de colaboração das pessoas, não mantenha uma expressão fechada e queira que as pessoas se abram para você.  Não caia na história do “Marido Traído” da piada, aquele cara que era tão bravo no prédio em que morava, que ninguém teria a mínima abertura para contar sobre as várias visitas masculinas que a esposa recebia...
Os vícios – nenhum impulso incontido deve prejudicar o trabalho ou mesmo o bem estar dos colegas. Nos dias de hoje é impensável a possibilidade de se acender um cigarro num veículo. O álcool também deve ser bem controlado de modo a não impor o cheiro ou o mal hálito a ele inerentes a um colega com quem se vai dividir um computador ou a um interlocutor, por exemplo. Em alguns casos até a boa autoridade fica comprometida pela falta de postura do indivíduo que possui um vicio.
Dirigindo o veículo da equipe – Ao atrever-se a dirigir o veículo, mesmo que devidamente autorizado, deve-se evitar ser muito lerdo ou muito afoito: Se você vai dirigir, o seu colega passa a ser um cliente, alguém que está recebendo um serviço ou pelo menos teria direito, a ter um serviço como seria o de um motorista profissional, ou o mais próximo disso. Portanto não cabe dirigir como se estivesse só no veículo. A velocidade deve ser negociada, o caminho deve ser combinado e todos os detalhes devem ser conversados para que o companheiro de equipe não seja obrigado a reclamar com o suposto motorista ou pior ainda, com os outros colegas, à revelia do culpado.
Analisando cada um dos pontos tratados pode-se ver que um pouco de empatia já resolveria muita coisa: colocar-se no lugar do motorista que em certos casos tem que acordar às 3, 4 horas da manhã para atender o “Senhor de Escravos” às 6 horas. Colocar-se no lugar do colega que tem uma vida além do trabalho e que gosta de usar o máximo o tempo que lhe foi concedido como descanso. Colocar-se no lugar do profissional que está sendo visitado ou fiscalizado para ver como é a sua verdade e até que ponto é possível identificar incompetência ou má-fé, ou simplesmente um caso fortuito naquilo que é  negativo do trabalho verificado. Até aumenta-se a possibilidade, principalmente neste último caso, de se acrescentar novas informações e, portanto maior valor, ao trabalho final.
Ater-se aos combinados. Parece coisa de escola infantil E é. É nos primórdios da educação como indivíduo que se aprendem coisas como cumprir combinados, horários e não mudar a palavra empenhada. Não se trata de uma questão de bondade gratuita e altruísta, mas de simples bom senso e prevenção contra as consequências das condutas indevidas.
A partir do que foi escrito já é possível fazer uma autocrítica e tentar contornar certos defeitos ou pelo menos compensá-los. As consequências são variadas para quem não se esforça em aceitar e respeitar o companheiro de viagem. Ele pode não ser recomendado em um próximo trabalho, pode acontecer um entrevero ou coisa mais grave. O pior contudo, considerando um dos objetivos gerais que é não desperdiçar recursos, é o caso de não se conseguir realizar o trabalho devido ao choque de ideias e comportamentos não negociados.